Em terra de sabiá, minhoca dorme de toca.

Orgulho em ser braSileiro

Orgulho em ser braSileiro

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Antes tarde do que nunca! Zé Celso é anistiado por unanimidade.



Mais de três décadas depois, o Teatrólogo Zé Celso recebeu autoridades do governo brasileiro ao som do Hino Nacional executado em ritmo de bossa nova, samba e pancadão em seu Teatro Oficina, numa solenidade de celebração a democracia.





As autoridades estavam lá, ao lado de atores e atrizes nus, que apresentaram espetáculo O BANQUETE em homenagem a Eros, após a solenidade. Ao invés de ocorrer nos salões de Brasília, o julgamento de pedido de anistia do "papa" do teatro brasileiro, foi no Oficina, especificamente sobre a mesa que foi cenário da peça que veio depois. Em cessão emocionada, o ESTADO brasileiro pediu PERDÃO pelas violações que cometeu contra Zé Celso na ditadura.





No dia 22 de maio de 1974 o encenador, ator, antropófago, teatrólogo e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa foi abordado por homens armados que o encapuzaram, colocaram-no dentro de um carro e o levaram. Era mais uma prisão realizada durante o regime militar que tivera ínício com um golpe 10 anos antes. Zé Celso foi levado para o Departamento de Ordem Pública e Social, na região da Luz, onde passaria quase um mês. No Dops foi torturado. Passou pelo pau de arara e levou choques e golpes que lhe arrancaram alguns dentes. Depois foi jogado em uma solitária.


Apelo as autoridades:

"Por muitos anos tentei recalcar para poder sobreviver e viver de novo os danos causados pela ditadura no meu corpo, na minha alma, no meu trabalho profissional e no de minha criação o que vale também para o corpo físico do Teatro Oficina. Posso afirmar que a ditadura operou sobre mim e o Oficina o que o Glauber Rocha chamava de assassinato cultural. Eu e o teatro fomos assassinados socialmente. Muitos achavam mesmo que eu tinha morrido, me apontavam como vítima que a ditadura tinha eliminado, consideravam que eu e o teatro não teríamos mais uma segunda vida. Foram 15 anos de uma luta enorme para provar a mim mesmo que eu estava vivo de novo. Reaberto o teatro, foram mais de 10 anos de muito sucesso para provar que nós tinhamos ressuscitado."

Vestido num terno, ele foi anfitrião da 35.º Caravana da Anistia. Criada em 2001, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça tem como função analisar os requerimentos de pessoas que foram vítimas de perseguição porlítica entre 1946 e 1988 (lei 10.559/2002).



Denuncia contra a tortura:

Anfitrião, Zé Celso começou sua fala entoando o hino oswaldiano "tupi or not tupi, that is the question". Entre danças e cantos, ele deu uma aula sobre identidade brasileira.
Elogiou o governo Lula, disse ainda que ele é o primeiro Presidente Antropófago brasileiro e incentivou esforços para romper a burocracia estatal, herdada da ditadura. Vestido de terno e gravata - destoando de seus colegas de palco -, o teatrólogo confessou: "No governo anterior, não pisei lá, porque tinha um sociólogo idiota por lá".

Zé Celso contou que, após ser torturado, foi levado pelos seus algozes até uma porta. "Tiraram meu capuz e, quando a porta abriu, eu entrei na legalidade. Vi que vivemos numa sociedade na qual o que é podre está escondido. Por isso entendo que o que é tabu tem que ser discutido, trazido a tona", disse. "Depois da prisão, eu sacralizei o corpo, por isso adoro a nudez."

Ele usou seu discurso para falar também sobre a tortura praticada pela polícia e destacou a importância do Plano Nacional de Direitos Humanos. Em entrevista coletiva defendeu: "É importante o Estado fazer essa reparação, mas temos que ter os olhos muito voltados para hoje também, porque há problemas gravíssimos ainda, pessoas estão sendo torturadas em uma delegacia neste exato momento."

"Esse evento foi muito significativo, estão aqui pessoas poderosas que lutam para que os torturadores sejam punidos. E temos que lembrar que preso político e bandido é gente também. Não pode haver tortura para nenhum, é algo imperdoável".

"O dia 7 de abril de 2010 é um dia histórico!". Foi assim que José Celso Matinez Corrêa, 73 anos, definiu este dia, quando recebeu o pedido de PERDÃO, por parte do ESTADO BRASILEIRO, por ter sido vítima de perseguição durante a ditadura militar (1964-1985).




Na sede do Teatro Oficina, no Bairro do Bexiga, região central de São Paulo, ele recebeu por unanimidade do conselho da Comissão de Anistia Política do Ministério da Justiça uma indenização de R$ 596.083,33 retroativa à 5 de Julho de 2001, além de pensão vitalícia de R$ 5.000,00, como reparação por males feitos ao artista e à sua companhia pelo Estado.

Acompanhei a solenidade de julgamento do pedido de indenização feito por Zé Celso em 2001, Foi a primeira vez que uma sessão oficial do Ministério da Justiça foi realizada em um teatro.

Ao ver um vídeo que relembrou os horrores da ditadura, o diretor, que chegou a ser torturado durante o regime, chorou.




O presidente da Comissão da Anistia, Paulo Abraão Pires Jr. contou que ela existe desde 2001. A partir de 2007, as sessões de julgamento dos processos concedidos ocorrem em espaços públicos como forma de reavivar no povo brasileiro a memória dos anos de chumbo.

A reparação econômica a essas pessoas é apenas um aspecto de reparação moral. Já recebemos 60 mil pedidos de indenização, dos quais 50 mil foram apreciados e 30 mil foram reconhecidos como sendo vítimas de perseguição por parte do Estado.

Durante seu discurso, Zé Celso disse que deve "à maconha 40 anos de vida muito inspirados". Segundo ele, que é neto de uma índia, os rituais indígenas são a razão de sua vitalidade.

- Todo dia faço duas coisas de índio: queimo um baseado e tomo guaraná em pó.

Zé Celso citou ainda a briga com Silvio Santos pelo terreno no entorno do Teatro Oficina como sendo "a briga entre Davi e Golias" e defendeu a nudez dos atores de seu grupo como sendo resultado de uma busca estética antropofágica, na qual "todos precisam comer e serem comidos".
O diretor criticou ainda o fato de o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) por não ter tombado ainda o entorno de seu teatro. Ele elogiou a gestão do governo Lula e do ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, mas alfinetou os oito anos de Fernando Henrique Cardoso na Presidência. O artista ainda aproveitou para protestar contra o ditador cubano Fidel Castro:

- Se eu fosse amigo do Fidel, como é o Gabriel Garcia Márquez, o Frei Beto e o Lula, eu diria para ele ter um grande gesto antes de sua morte e liberar logo essa ilha, senão ele vai morrer como Batista (ditador deposto pela Revolução Cubana em 1959). CUBA LIBRE JÁ!


A caravana:

Desde abril de 2008, foi criada a Caravana da Anistia que aprecia processos em atos públicos, numa ação de resgate de memória.

A caravana já percorreu 17 Estados e apreciou publicamente mais de 800 processos. O educador Paulo Freire e o líder dos seringueiros Chico Mendes está entre os já homenageados. Em ato inédito desde sua criação, a caravana contou com a presença do representante do Ministro da Cultura e fez a apreciação do processo do diretor Zé Celso, que recebeu unanimidade dos conselheiros. Dezenas de artistas foram convidados, entre eles o ilustre cérebro provocador Antônio Abujamra.

"A tortura tatua o corpo. Quem passou pela tortura vai combatê-la sempre", disse Zé Celso, falando sobre Direitos Humanos, tortura, liberdade, arte e política.

Assim sendo, o povo brasileiro, vê anos depois a Justiça, mesmo que em pequenos passos, reparando as atrocidades cometidas no passado e afirmando que não podemos permanecer calados, a luta continua.

Viva Zé Celso, que lutou e não permaneceu calado, esse é o resultado!
Viva o Brasil e seu povo Brasileiro!
Viva a DEMOCRACIA!



Créditos: Joana Rosowykwiat, Lenise Pinheiro e Clayton de Souza.



segunda-feira, 5 de abril de 2010

Visão Global: Não há Justiça sem o poder de cada um.

Pouco explorada atualmente, temática da falta de representação e capacidade de ação das pessoas nos rumos da sociedade é o grande empecilho que a Justiça precisa eliminar.










As teorias vigentes sobre a Justiça na filosofia política dominante de hoje são muito dependentes de uma maneira de pensar iniciada por Thomas Hobbes no século 17, concentrada excessivamente num hipotético "contrato social" que pessoas de um Estado soberano tenham endossado. Esse contrato supostamente identifica as "instituições justas" necessárias. A abordagem "contratualista" é a influência dominante na filosofia política comtemporânea e seu foco limitado estreitou indevidamente a análise da Justiça - e distanciou a teoria do real.
Ao contrário da tradição contratualista, outros teóricos iluministas (Adam Smith, o marquês de Condorcert, Mary Wollstonecraft, Karl Marx e John Stuart Mill, por exemplo) adotaram uma diversidade de abordagens que compartilhava um interesse comum, centrado na vida real.
O que ocorre ás pessoas depende não só de instituições, mas também de outras influências - em particular, o comportamento e as interações sociais dessas pessoas. Essa abordagem alternativa tem muito a oferecer à filosofia política contemporânea e também as nossas práticas e políticas reais.
Se nossa atenção deve ser nas vidas das pessoas, a questão que imediatamente surge é como compreender a riqueza e a pobreza. A perspectiva que tentei seguir se concentrou, sobretudo, nas várias formas de liberdade de que as pessoas desfrutem. Isso difere enormemente de outras abordagens para avaliar as demandas de Justiça: por exemplo, olhar o cumprimento de certos direitos formais que as pessoas deveriam ter e esses direitos são ou não realmente exercídos.
Muitos desses direitos podem ter uma regra instrumental para promover vidas sociais mais livres. No entanto, a busca de Justiça certamente não deveria parar por ai.
As liberdades individuais podem ser vistas como um compromisso social. E isso requer que o Estado desempenhe um papel realmente ativo na promoção da liberdade, para as pessoas fazerem o que valorizam.

Liberdade e potencialidades. Se é importante não se restringir à leitura da liberdade dentro do libertarismo, a necessidade de ir além do pensamento utilitário para satisfazer prazeres ou desejos não é menos forte. Mesmo que pessoas cronicamente carentes-os irremediavelmente pobres ou os que estão há muito tempo desempregados - aprendam a aceitar e a se acomodar alegremente a seus estilos de vida carentes, essa alegria cultivada não eliminará a privação real de liberdade que continuam a padecer.
Um sistema de eliminação da pobreza que se concentre apenas no baixo nível da renda, em particular se a renda de uma pessoa-ou de uma família-está abaixo da linha de pobreza, considerará a limitação de ganho, mas não a limitação de conversão. Isso poderá comprometer basicamente o programa de alívio da pobreza.
O que dizer do poder, conceito que se relaciona estreitamente à ideia de liberdade? Dizer que uma pessoa é desprovida de poder para reverter o tipo de negligência que vem sofrendo também pode ser expresso numa linguagem de potencialidade: ela não é capaz de reverter a negligência que sofre.
Mas há algum vigor evocativo e força retórica na linguagem do poder, particularmente ao tratar da falta de poder, à qual a palavra "potencialidade", que é realmente um termo da arte, não consegue, se equiparar. Analisar "poder" e "falta de poder" deve ajudar a se alcançar uma melhor compreensão do mundo dividido em que vivemos.
A ira e amarga ironia de Mary Wollstonecraft, cobre a submissão de mulheres, complementou seu raciocínio frio contra a hierarquia de gênero em seu clássico: A Vindication of the Rights of Woman ("Em defesa dos direitos da Mulher", em tradução livre), de 1792.
Outomen-se as observações de Steve Biko sobre "falta de poder" na África do Sul refém no apartheid aos anos de 1970. "A falta de poder produz", disse Biko, "uma raça de mendigos que sorri para o inimigo e o xinga no santuário de seu banheiro. Que grita "Baas" (senhor) voluntariamente durante o dia e chama o homen branco de cachorro em seus ônibus quando vai pra casa."
Se a falta de potencialidade de qualquer tipo é motivo de preocupação, as relacionadas à incapacidade da pessoa de agir livremente ou falar abertamente por causa do poder alheio têm uma urgência especial. Essa é uma preocupação importante na promoção de liberdade e potencialidade, pois as sociedades envolvem conflitos além de camaradagem e apoio mútuo. A busca de Justiça na promoção de liberdades e potencialidades nas vidas das pessoas precisa estar viva em ambas.

Créditos de Tradução: Celso M. Paciornik, Amarthya Sen.